PAPO DE DOIS AMIGOS

Carta de Hermínio Bello de Carvalho

Sergio Ricardo

Banda cultural

A notícia do conchavo passou de raspão pelo noticiário político, e quase ninguém se deu conta dela. Na recente saida (ou expurgo, como queiram) do Ministro Orlando Silva da pasta dos Esportes, cogitou-se pegar o Ministério da Cultura e entregá-lo ao pessoal do PC do B, talvez objetivando uma nova composição da base aliada do govêrno. Ou seja : tirariam a Ana de Hollanda e botariam qualquer um em seu lugar. Nem examinariam, na pressa, se o cara era ficha-limpa ou não. Meritocracia às favas, pois. Isso deixa evidente uma coisa irrefutável : o Ministério da Cultura parece que, mais uma vez, é apenas um adorno no colar de ministérios que compõem o nosso Governo. Estamos com 29 partidos políticos, 30 e poucos ministérios e uma fila de gulosos para cravar os dentes nessas apetitosas maçãs douradas, quase todas podres por dentro.

Enquanto isso, nós, compositores, temos 9 sociedades arrecadadoras – e um ECAD merecendo minimamente uma bela auditoria – sem, contudo, pensar-se em sua extinção. Aprimorá-lo, eis tudo. É o que, parece, a Ministra Ana de Hollanda há está providenciando.

É uma barafunda muito grande o cassino político em que se transformou o govêrno, e nesse jogo de cartas a Presidente Dilma tem que, de alguma forma, atender às coligações que a elevaram à Presidência. Haja detergente para lavar as mãos e a consciência.

E a Presidência, já se viu, dá câncer. Jayme Ovalle dizia pro Vinicius (de Moraes) que o “câncer é a tristeza das células”. Duvido que Dilma e Lula não tenham tido crises da mais profunda tristeza e depressão com essa gaiola política onde foram enjaulados. Digo isso com a experiência de quem passou por um câncer recentemente. O Brasil me alegra muito, mas às vezes me deprime e entristece.

Mas o que me interessa é a palavra meritocracia, que fez parte do discurso da candidata. Cabe relevar que nutro simpatia por ela. A Presidente conseguiu defenestrar cinco ministros de seu quadro num periodo curto de mandato. Ainda não li os jornais de hoje, mas existe mais um na fila aguardando o cartão vermelho.

Claro que a imprensa teve um papel fundamental nesse processo, embora a Presidenta afirme que não pauta essas demissões pelas denúncias estampadas nas manchetes dos jornais e revistas. Mas essas degolas não se deram, infelizmente, pelos mecanismos internos do Govêrno que deveriam filtrar os fichas-sujas candidatos às pastas ministeriais ou a outros postos de relevância dentro do organograma governamental. Mas, de qualquer foma, a Presidenta deverá ser infinitamenrte grata à liberdade da imprensa que a ajudou a catapultar de seus quadros alguns desses finórios empurrados goela abaixo pela coligação que elegeu seu antecessor – e a ela mesmo.

Com todo respeito que Lula merece pela sua luta contra a miséria, ele foi descuidado, não deu ouvidos aos órgãos encarregados de zelar pelos bons costumes dentro da prática política. Fez vistas grossas para a bandalha que corria solta sob seus pés? Diria que sua noção de ” presunção de inocência” beira a ingenuidade, sobretudo para alguém que construiu sua carreira no meio de um covil de serpentes, cercado por uma corja de políticos corruptos. Mas respeito essa “presunção de inocência” porque também a pratico em minha vida pessoal. Inclusive é muito difícil saber as maracutaias que são armadas na calada da noite nos porões dessa multiplicidade de ministérios, de sub órgãos públicos de toda espécie. A malha burocrática é imensa, operosa. E convenhamos, para dar um crédito ao ex Presidente : é muito fácil sair por aí apontando as pessoas taxando-as de ladrão. Há que provar. Só mesmo uma grande reforma política, que aliás pouco interessa à turma da bandalha poderia resolver essa situação.

Mas é sobre cultura que desejava escrever, a pedido de meu nobre e lutador amigo Sergio Ricardo. Tenho que atender ao pedido de um artigo que escreveria para o seu movimento que, mais uma vez, nos torna um pouco aqueles doidos que ficam falando sozinhos atrás das grades dos manicômios.

Gritar, pra que? Espernear, como? Quem nos dará ouvidos?

Mas sou otimista. Ficar em cima do muro é que não dá.

Vamos por partes : esse Ministério da Cultura passou oito anos do govêrno FHC nas mãos do Weffort, e mais outros oito com Gil e o seu Sub-Minitro cujo nome agora me desocorre. Ou seja : continuamos com um ministério obsoleto cuja estrutura não conseguiu ser fincada ao longo de 16 anos. “Na hora da sede você pensa em mim/porque eu sou o seu copo d’ água/sou quem mato a sua sede/ e dou alivio à sua mágoa”, diz aquele belo samba cantado pela Clementina. Foi o que narrei no início desse artigo : a moeda de troca nessas horas não guarda escrúpulos nem um mínimo resquício de ética.

É na hora da sêde, do sufôco que essas armadilhas são tramadas sob os céus escuros de Brasilia . Precisam atender a coligação? À merda a meritocracia, à merda os escrupulos e a ética. A Ana de Hollanda tem pouca visibilidade num ministério quase fantasma? Melhor assim : “vamos conchavar sua substituição”, devem ter pensado os biltres. E foi dentro dessa lógica política vigente que o conchavo foi armado. Por sorte do destino (ou seja : de alguem com alguma compostura ) que o Ministério que deveria nos representar não foi ainda para as mãos de um finório qualquer. E a Ana de Hollanda seria o boi de piranha nesse jogo sujo, imundo, fedorento. Um lixão a céu aberto na planície de Brasília.

Tem uma turma que está de olho na Ana de Hollanda. Melhor explicitando : no cargo que ela ocupa. Que ela teria pouco carisma, o que não falta aos ministros defenestrados – e bota carisma nisso!!!!! É carisma em convênios, Ongs fajutas, é carisma em maracutaias de toda sorte, é aquele carisma de gente botando grana nas cuecas na maior cara de páu – e essa fantasmagoria forneceria ao Zé Celso ou ao Zé do Caixão uma bela ópera popular, com todos os vilões desnudados em cena, apodrecendo sob as vaias da nação.

Quem já militou na área da cultura, qualquer um que tenha sido um dia engastado no organograma do Ministério da Cultura sabe, e de sobra, que é um orgão dificil de se administrar. Leva tempo. Se os últimos dezesseis anos não foram suficientes para dar uma consertada geral naquela casa, não seria agora, com poucos meses ocupando a pasta, que qualquer Ministro conseguiria fazer um bom trabalho. Cultura requer não só dinheiro, mas planejamento. Requer meritocracia, e isso Ana de Hollanda inegavelmente tem de sobra. Seu patrimônio é diferente do acumulado pelo Palocci. Seu carisma definitivamente é oposto aos do recém defenestrados pela Presidenta, já veio sacramentado de berço ilustre, com o sobrenome que o Prof. Sergio, seu pai, carregou com galhardia pela vida afora escavucando, sem trocadilho, as raízes do Brasil. Uma Buarque de Hollanda, sim senhor.

Mas fiquemos atentos : esses conchavos podem sim, de repente, arrebentar nas mãos da Ministra. Tirar dela o Ministério e entregá-lo a um ficha suja, um bunda mole, isso infelizmente faz parte do desenho dessa coligação que tenta acorrentar a Presidente Dilma.

Acho que é hora de se promover a aproximação de todos esses movimentos sociais que lutam a favor da Lei da ficha-limpa, dos direitos dos homossexuais, dos royalties do pré-sal, dos que berram contra a corrupção – tal e qual foi feito na época em que os caras pintadas mostraram a força da juventude pensante e expurgaram do cenário um político canastrão que, infelizmente, voltou a atuar nos palcos de Brasilia. É necessário uma coligação do bem. Sem preconceitos, juntar todos os insatisfeitos e fazer uma varredura pública em que se coloque pra fora toda a indignação que nos sufoca.

Esse conchavo que se armou em Brasilia, utilizando o Ministério da Cultura como moeda de troca, só não se consumou porque … sei lá, não sei!

Mas acho que a nossa gritaria tem que ser forte, para que na próxima reforma ministerial tão anunciada pela súcia política, não vá se entregar o Ministério da Cultura para as mesmas mãos que, nos ultimos 16 anos pouco fizeram por nós.

Não desejaria entrar em polêmicas. Já nos basta a dor de ver o mercado de trabalho cada vez mais afunilado, as tevês culturais e educativas cumprindo mal o seu papel, enquanto nós, palhaços, tentamos armar nosso circo gritante, com berrantes e megafones invisiveis, com nossas cordas vocais se estraçalhando nos berros que nos sangram a garganta.

Veja só o Rio de Janeiro : as UPPS (tenho a maior simpatia por essas unidades pacificadoras ) – elas necessitam, além do tratamento de esgoto, de atendimento médico, que a cultura e a educação se dêem as mãos e ocupem essas comunidades. A Escola Potátil, que vai ganhar séde própria, já foi ao Pavão-Pavãozinho ocupar espaço na área de educação musical. Nosso mercado de trabalho está cada vez mais afunilado, e ninguem fala dele. A cultura tem que circular, é o bordão que venho repetindo exaustivamente. Direitos autorais? Vamos discuti-los, sim. Mas a cultura é poliédrica : passa pela fome, pela falta de conhecimentos, pelo desagasalho dos despossuídos.

Há pouco recebi uma alentadora mensagem de um jovem pesquisador que atua em Alagados. Formado em pedagogia e com mestrado em psicologia, José Eduardo Ferreira dos Santos já escreveu quatro livros que abordam esse esgarçamento do tecido humano nas periferias, estudando as repercussões de homicídios em jovens da periferia soteropolitana. “Novos alagados : diário di uma favela” é seu ultimo livro, editado na Itália pela Ponti di Carta. E por que citá-lo aqui? Simplesmente porque nossos problemas com direitos autorais, mercado de trabalho, com a corrupção que parece um fantasma invencível, confesso que esse jovem é um dos milhares que existem pelo Brasil afora, e que sonham a mesma coisa que nós : um Brasil pra todos, que pirvilegie a saúde, a educação e a cultura como fatores determinantes para a grande transformação político-social que se faz necessário executar, após uma faxina rigorosa nos antros dos podres poderes.

Acho que só a união de todos esses movimentos tem capacidade de botar uma grande massa popular nas ruas e, se possivel, colocar alguns desses salafrários na cadeia. E guardo em mim uma enorme fé de que essa mudança é absolutamente viável.

Educação, saúde, cultura – tudo isso está em jogo. Mas que não tentem, os bandalhos, arranhar a democracia. Nunca esquecer 1964.

Herminio Bello de Carvalho

resposta de Sergio Ricardo

Querido Hermínio

Não sei que seqüência terão minhas palavras. Vou me soltar ao sabor do pensamento e se alguma coisa resvalar na nossa relação espero que não receba como agressão. Primeiro quero agradecer sua manifestação, como amigo, e dizer que finalmente, alguém dos meus amigos da velha guarda musical se manifesta em relação ao GRITA. Suas considerações, ainda que delas, em alguns pontos, descase de minhas convicções, refletem, por sua vez, uma condenação que me faz parecer estar sendo discutida entre a nossa turma mais consagrada da musica, a se deduzir por seu inexplicável silêncio ante aos questionamentos que o GRITA vem levantando. Nunca podia imaginar que a saída de um colega da lista de adesões, por motivos óbvios, pudesse confundir tanto as mentes, ao ponto da discordância camuflada revelar-se na mudez. A rede lançada ao mar colheu textos de todas as tendências e pensamentos da forma mais democrática possível, em relação à nossa tragédia, alguns rejeitados com o cuidado em não atingir esta ou aquela pessoa especificamente, mas fiel ao propósito da cultura frente aos seus descaminhos. Se a carapuça vestiu alguma cabeça, não foi a título de retaliação.

Não tenho nenhuma discordância de suas ponderações a respeito da história política do país e da podridão que a corroe. Talvez as repudie ainda mais do que você. Quanto a Ana de Holanda, o que está em discussão não é sua honestidade, nem sua competência. É a arapuca a que foi jogada, na qual teve que se enredar como qualquer um de nós que para lá fossemos chamados, sem vivência política dessa malandragem necessária para encarar os podres poderes, tendo que administrar uma verba absurdamente baixa destinada a seu ministério, frente aos clamores gritantes da vida cultural, que nem mesmo a malemolência política baiana de Gil conseguiu driblar por completo. Sem querer culpar esta ou aquela decisão superior. O sistema é que está podre e não estou dizendo nenhuma novidade.
Resultou numa armadilha do próprio sistema que não quer o avanço da cultura não sei por que raio de visão, a procurar até encontrar uma pessoa límpida e transparente, sem a deformação necessária para jogar no time que só tem craques dos conchavos, das tramóias, das falcatruas e por aí a fora. Os artistas só podem atuar neste jogo como bandeirinhas apontando as faltas. Fazer gols neste jogo, só sendo honesto mas muito malandro, muito safo, ou bandido de vêz. A risada ficou por conta da oposição aos avanços do país. Infelizmente é assim que vejo a verdade. Seus amigos não estão torcendo para que ela caia. Mas para que ela saia dessa encrenca. Tem muito chumbo grosso esperando o alvo que ela ocupa. Seria muito mais útil vir ficar do nosso lado, principalmente agora, de posse dos meandros, para corrigir nossa pontaria, ja que é uma artista amada pelos colegas. Não seria uma capitulação, mas um avanço vir lutar em nossas trincheiras. Pelo pouco que a conheço, tenho certeza que é por conta de sua intransigência que as coisas por lá não atam nem desatam. Nenhuma dúvida quanto a “meritocracia” de nossa ministra. Mas enquanto o ECAD não for fiscalizado, necessidade óbvia e ululante, por conta de uma filigrana incompatível, o que pensar? Ninguém está pleiteando o fim do órgão. Seria um suicídio, sem pé nem cabeça. A ferida está exposta e pede cirurgia. Será que não dá pra entender? O que é lastimável é a certeza de que negar a fiscalização é ter o rabo preso com as maracutaias do ECAD, ou o artista, temer pela queda de seus rendimentos . Qualquer das duas hipóteses é deplorável, principalmente partindo de alguns da casta de bem aventurados, que até participaram de nossa luta da SOMBRAS. A CPI está revelando a tramóia. Os jovens compositores, os desprotegidos da mídia, os eternos indefesos, não cessam de reclamar. Os advogados do ECAD adoram essas encrencas, porque são causas que lhes rendem fortunas pagas com o nosso dinheiro. Essa questão da multa do ministério da justiça de milhões contra as irregularidades do Ecad, quem vai pagar? Nós, os trouxas. O que rola por baixo do pano, nos corredores dos palácios, somos nós, ingênuos compositores, detentores de direitos retidos e que tais, os verdadeiros patrocinadores. O problema não está na arrecadação, mas na distribuição da fortuna arrecadada. É, queiramos ou não, do ministério da cultura ou da justiça a obrigação de impor uma fiscalização, quanto mais não seja, para atender ao clamor da classe. Esta é nossa tônica atual. Sua viabilização não depende de heranças de antigas gestões. Não haviam provas. Hoje já se tem.

Estou decepcionado com o silêncio, com a apatia e a indiferença dessa elite inativa, contente com seu quinhão, escondida nos jargões da ignorância sobre o tema, ou na descrença de sua própria vóz. Este seria o momento para estarmos de mãos dadas não só para decidirmos o caso do ECAD como outra meia duzia de medidas, para tirarmos a cultura musical do limbo em que está mergulhada, e decidirmos nossos caminhos driblando os compassos com a síncope que o samba nos ensinou e não imersos nessa marchinha fúnebre de um carnaval extinto. Em algum momento toda a verdade virá à tona. Até mesmo aquelas escondidas sob o manto da indiferença ou da omissão.

Gritar sim, meu bom Hermínio, como gritamos contra a ditadura, muito mais, muito mais agressiva do que o sistema vigente. E vencendo os obstáculos, com muito mais tranqüilidade. Bastou juntarmos nossa coragem.

Nós. Nós somos o maior problema. Não só eles, do poder. Nós, que nos acomodamos na lamúria, na descrença, na subserviência, qual párias de bunda mole, indolentes macunaimas, de uma pusilanimidade repulsiva, que infelizmente estou sendo obrigado a constatar nesta investida, ao lado de uma pequena parcela de jovens revoltados, numa luta solidária e solitária. Estes poucos jovens, que pagam de seu bolso a passagem a Brasília para reivindicar nossos direitos, sem sequer cobrar o reconhecimento de sua iniciativa, vencendo etapas não alardeadas, em plenários, em discussões diárias entre si, num empenho semelhante aos vistos na Sombras, que você magistralmente presidia, com companheiros de corpo e alma entregues à causa, para fazer valer uma determinação que viria, pasme, favorecer a vaidade daqueles chamados detentores do sucesso, poucos por mérito criador, e muitos pela mediocridade que impera em nossos dias. Olho no olho, Hermínio. Pelo amor de Deus!

Um beijo
Sergio Ricardo

4 respostas em “PAPO DE DOIS AMIGOS

  1. Brilhante, Sergio Ricardo, como não poderia deixa de ser vindo de Sérgio Ricardo – Um dos maiores compositores do Brasil.
    Quanto a frase do também brilhante Herminio: “uma Buarque de Hollanda, sim senhor”, sinto muitíssimo. Soa como uma herança da Casa Grande e Senzala, de um Brasil colonialista, de uma herança do Homem Cordial.

  2. A minha impressão, sempre! é que não existem divergências, mas apenas o velho e bom “Eu não dou o braço a torcer nem fudendo!” … E claro , uma pitada do “não mexe no meu esquema que eu não mexo no seu” (Uma versão capitalista do “Não bota minha mãe no meio senão eu.. “) Enfim… Alguns defendem seus pontos por pura teimosia, outros por convicção, outros por serem da turma “do contra” , outros por interesses pessoais dos mais diversos.

    Gosto muito da forma que você escreve Sérgio, sem muito backspace, sem muito freio de palavra. Gosto do entusiasmo do Hermínio , respeito e admiro, mas devo dizer que compartilho da opinão da Marcia , soa sim como “uma herança da Casa Grande e Senzala, de um Brasil colonialista, de uma herança do Homem Cordial.”

    Enquanto isso, a pseudo-elegância entrava o futuro, o mundo se atualiza, e o Brasil… esse, continua disputando capitanias hereditárias.

    Dudu

  3. Meus amigos

    Vocês não podem imaginar como me sinto feliz em ver que o debate sobre, digamos, sociedade x corporações começa a ganhar a clareza necessária para construirmos uma linha que separa de forma transparente as questões de desejo pessoal das de desejo coletivo.

    A palavra “povo” que sempre surge com uma grande indiferença nas situações históricas do Brasil volta à tona. Acostumada a receber, no máximo, comunicados de primeira ordem na vida das relações institucionais, a espantosa participação cada vez maior deste povo nos debates sobre cultura nas redes sociais, blogs e etc., tem nos revelado uma personalidade a despeito de questões fundamentais que até a pouco não conseguíamos vislumbrar. Com isso, o valor da verdade vindo de uma infinita maioria, vive hoje a azucrinar as estruturas dos conselhos que sempre deram murros na mesa se valendo da rispidez natural do monopólio da palavra.

    Na verdade o território da mídia corporativa que jamais deve ser confundida com jornalismo sempre esteve em queda de braço com a população. Está aí a história das Organizações Globo que não nos deixa mentir. Aliás, a citação recorrente da meritocracia, segundo os corporatocratas do Instituto Millenium, a grande ONG da mídia, é algo indispensável nas novas relações que se caracterizam por compartimentar e quiçá construir governos paralelos, melhor dizer, poderes paralelos que casa melhor com o valor atribuído hoje à mídia nativa que, subordinada às lógicas do capital, criou uma espécie de federação de resistência à democracia brasileira.

    Sobre a questão do Ecad, uso aqui uma das muitas e geniais observações de Mário de Andrade: “É preciso não esquecer que cada um de nós é o seu próprio maior artista, o único criador de obras primas que correspondem às necessidades e desejos de sua própria personalidade”. Isto posto, retiramos a cisão que em certa medida coloca alguns poucos criadores na ribalta e isola num deserto profundo milhares, talvez milhões, de músicos, criadores, intérpretes, enfim, artistas deste mundo imenso que acabam não passando por uma estreitíssima cabeça de agulha e caindo numa obscuridade comum.

    Portanto, diante da vasta indiferença cruelmente imposta aos artistas anônimos não podemos, sob qualquer hipótese, imaginar que o Ecad que não lhes repassa um único centavo, seja um recanto de felicidade. Digamos que nessa sinfonia brasileira quem costuma levar a grande bolada são alguns maestros que regem as associações, alguns solistas e spalas, em nome é lógico, do poder dos sobrenomes ou do abraço da velha amizade. Ou seja, dentro dessa ínfima dimensão não tem sequer o medalhão incompleto.

    Desculpem-me entrar francamente com a minha narrativa pessoal diante da questão do Ecad. Mas acho que, pela gravidade de todo o mistério que dá raras vantagens à meia-dúzia, creio que sublinhar certas questões ajuda no entendimento dessa marafunda proposital que o Ecad criou.

    Até a três anos eu não tinha exatamente a consciência da existência do Ecad, mesmo considerando que, de forma indireta, ele, de alguma maneira estava inserido na minha vida como músico, mas como exatamente e qual o sentido dele, eu de fato era profundamente ignorante. Pois bem, fui me apresentar no Sesc Instrumental com um repertório de músicas inéditas minhas. Tudo transcorreu na mais completa tranquilidade, até que, na hora de receber o meu cachê, veio o comunidade do Sesc me cobrando o pagamento do Ecad. Aí, perguntei… Como assim? As músicas são minhas e são inéditas. O Sesc, compreendendo minhas questões, disse que não tinha como interferir a meu favor e que, portanto, a saída era pagar ao Ecad pela execuçao de minhas músicas inéditas.

    Diante de tamanho absurdo que é de uma gravidade profunda, procurei o representante do Ecad em minha cidade e me vi de frente com uma insegurança ainda maior, já que o representante do Ecad em Volta Redonda nada mais é do que uma empresa de engenharia que atua em várias frentes de atividades, ou seja, como foi constatado imediatamente, a representação da empresa com o nome bem sugestivo de “Mix” me deu informações superficiais. Mas ainda assim, consegui, de forma rude uma informação de que eu deveria pagar R$1.000,00 por ter cometido o pecado de executar as minhas músicas sem pedir permissão ao Escritório Privado de Arrecadação de direitos autorais. Daí em diante, procurei através da Amar-Sombrás, entender toda a assombrosa e foiceira questão que envolve Ecad e os direitos autorais, e é bom lembrar que uma coisa nada tem a ver com a outra. Porque é isso que o Ecad, no frescor de sua propaganda quer nos fazer crer. Imaginar que, como criadores, os nossos destinos dependem desse vertiginoso redemoínho de trevas, é amar a própria evolução às avessas.

    Pior do que se colocar como manifestação de alma universal à cata de dividendos, continuamos aqui perdidos e com as mãos furadas. Só que todo esse piruá está pipocando na CPI e os novelos começam a mostrar as muitas variantes de um sistema que fazia questão de esconder o fio da meada.

    Talvez seja daí a minha desolação que praticamente produz críticas à Ministra Ana de Hollanda. E que fique bem clara a intenção das críticas, à Ministra e não à pessoa. E, assim como não faço nenhuma observação entre a lacuna da artista e de sua história, com todos os disparates que ela, como Ministra, vem cometendo, não aceito este tom de fidalguia, de grandiosa para erguermos monumentos através da ordem dos sobrenomes.

    Villa Lobos, quando irritado, dizia… Este é o país dos rapapés de sobrenomes, referindo-se à substância das catedrais erguidas em nome do velho brasão imperial.

    Para entendermos melhor o que está sendo colocado dentro do MinC, é preciso avaliar em sua administração se o que está sendo produzido aumenta a representação do povo brasileiro ou do poder das grandes corporações. O que me parece é que simplesmente o poder dominante foi o escolhido para criar um conceito de estabilidade, sobretudo irrigando as empresas que regulam uma preciosa e bilionária verba pública, via Lei Rouanet, já que as reformas que eram até bem acanhadas, para diminuir um pouco o jogo de inventários caracterizado nos corredores dos departamentos de marketing, fosse um pouco menos área de propriedade de meia-dúzia que faz da lei um comércio da própria lei.

    Ao contrário, e isso pode ser visto pela imagem do site do MinC, que a articulação que fomentava os verdadeiros significados do Brasil como sociedade foi amputado em meio a uma força mecânica produzida pela lógica de aperfeiçoamento meritocrático adotado pela filosofia da gestão de Ana de Hollanda. Parece mesmo que tudo formulado pelo humano foi calculadamente esmagado. E agora, com esse conceito formulado para entrarmos na idade do ouro, a cultura como mercadoria e as faturas da ciência moderna continuarão pesando sobre os ombros da sociedade para o aperfeiçoamento do telescópio das grandes corporações.

    Portanto, toneladas de carvão condensado na Lei Rouanet continuarão entregando fortunas nas mãos de atravessadores como Itaú, Bradesco e etc., incumbidos de taxar a equivalência dos artistas, segundo sua lógica de pensamento e, com isso, manter trancados a sete chaves os aportes públicos em nome do encontro das luzes e dos candelabros de ouro com as rubricas das novas divindades.

  4. É um prazer reencontrar-me com o GRITA! em tão alta sonância, e para maior prazer ainda, produzindo dissonâncias, coisa que me instiga, e me convida há 30 anos, em minha lida com a música. Ao somar-me com as palavras do Sérgio, discordo do marco histórico proposto por Hermínio: existe, nesse tempo histórico, mais que diferenças entre a gestão do Ministro Weffort e Gil + Juca; existe, insofismávelmente um corte claro, uma alteridade. Nos 8 anos de Gil e Juca, o MinC saiu de sua condição subalterna para cumprir um papel socialmente compatível com a cultura brasileira, avançando em todos os sentidos, criando diretrizes e políticas públicas numa gestão que de fato colocou o Ministério da Cultura, no mapa da Cultura nacional. Não há mais necessidade alguma de de fazerem comparações com a atual gestão. Desejam os artistas que a Cultura e o Ministério correspondente sejam bem-sucedidos pelo bem de todos, que a gestão do MinC seja consequente e democráticamente afinada com os anseios da classe artística e da população brasileira.

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