BIOGRAFIAS – O ESPANTALHO DE NOSSA LAVOURA

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FELIPE RADICETTI
Parabéns ao Fernando Bosco em sua coluna de hoje. Trata-se de um articulista qualificado que, sem poupar críticas as dois lados da questão, põe a nu a sordidez dos julgamentos de ordem “moral” que vêm desviando a atenção dos debates: não é com julgamentos sumários, prazer pelo linchamento, pelo ódio, pelo rancor recalcado que se defende a liberdade de expressão. É justamente com outras ferramentas, outros meios, não parece evidente? A virulencia com que se condena os artistas do Procure Saber não pode emprestar relevância alguma ao debate. O choque de dor que nos acomete ao ler a estupidez dos ataques não provém senão da insuficiência do método e do discurso, da impossibilidade de fazer o processo da reflexão ir à frente, não empresta credibilidade à causa. Antes, a vileza a derrota antecipadamente também. O debate verdadeiro ainda está por iniciar, no Supremo, e onde será decidido. Foram nos  tribunais da rua que os condenados foram confrontados com o tipo de matéria humana que decidiu encurralá-los. O que tem se dito, em jornais com mais ou menos credibilidade revelam muito e apenas sobre quem escreveu e sobre o que pretendem. São por essas razões e por esses fatos que penso como Francisco Bosco.

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Querida Paula Lavigne

Solidário com sua indignação, eu,  por ter sido também vítima de um biógrafo inconseqüente, assim como Roberto Carlos e outros colegas, antes de tudo, quero elogiar sua bravura em ter tentado ir às raias da contra-partida encitando a aprovação a uma providência radical, lavando a alma dos atingidos pela mentira alardeada publicamente, afetando e obstaculizando, em alguns casos, a carreira de cidadãos de nosso setor. Infelizmente, a medida encontrada por sua revolta, em contra-partida, toma, pelo lado oposto, o caráter da censura dos idos da ditadura, proibindo e castrando carreiras como a minha a de Vandré e tantos outros suprimidos do cenário artístico e político do país, para todo o sempre. Em ambos os casos ferindo o bem conquistado pela sociedade – o da liberdade de expressão. Assim como eu, tendo me insurgido contra essa deformação inconseqüente nas páginas dos jornais da época, não vendo nesta a forma precisa para deixar elas por elas, mastigo esta pendenga até os dias de hoje, irmanado à sua indignação, refletindo não só a sua como a consciência dos colegas tanto do GAP como do PROCURE SABER, ou de outros artistas nas mesmas condições.

Militante do GAP, pude compartilhar de uma discussão interna, a mais espinhenta desde que dele participo, em encontrar a forma adequada para atender às exigências de uma posição a respeito do assunto, sem ferir as múltiplas sensibilidades envolvidas. Optamos, finalmente pela ja explicitada e alardeada, contemplando a nossa e sua indignação com a solução encontrada, sem macular a liberdade de expressão mas responsabilizando judicialmente as ofensas e mentiras e demais deformações encontradas nas biografias. Em nenhum momento cogitamos de um racha entre nossas entidades, o que seria descabivel após estabelecido um elo na ação e conquistas de nossos direitos, motivando uma conquista maior que é a união de nossa classe. Que este episódio não venha
em nenhuma hipótese quebrar este elo de há muito perseguido e que, ao contrário, possa nos aproximar ainda mais, acrescentado a importância do respeito às saudáveis divergências, aparando arestas de nossas indignações pessoais, pelo bem de todos.

Beijo

Sergio Ricardo

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TIM RESCALA

                Democracia como aprendizado

        Nos últimos dias temos assistido a um debate acalorado, por vezes até demais, sobre a necessidade ou não de haver autorização prévia para que uma biografia seja publicada. Vale lembrar que a lei atual, que não foi inventada pelo grupo PROCURE SABER, exige a autorização. O grupo apenas se posicionou contra a mudança desta lei , como prega uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao STF movida pelas editoras, pois a medida, se resumida a isso, seria uma invasão de privacidade dos biografados.

        O tema é muito complexo e delicado, pois de um lado temos a liberdade de expressão, coisa muito cara para todos nós, e de outro a invasão de privacidade, que também o é. Muita acertada foi a decisão da ministra Carmen Lúcia conclamando a todos para o debate numa audiência pública. E isso se faz mesmo necessário principalmente porque, ao que parece, a própria sociedade não foi capaz de fazer isso de forma equilibrada e ponderada, sem descambar para os exageros e as indelicadezas, sempre desnecessárias e anti-produtivas.

        Os ânimos se acirraram e até quem sempre pautou sua vida pela defesa da liberdade foi acusado de promover a censura, simplesmente por defender garantias para um dos lados da questão, a privacidade. Há gente que ache isso puro delírio persecutório ou mesmo falta do que fazer. Mas o fato é que um dos biógrafos brasileiros mais conceituados, ao defender sua posição, não abriu mão da indelicadeza e da baixaria. Se um biógrafo sério se refere a um possível biografado de forma tão deselegante, o que se pode esperar de um não- sério,  livre de qualquer limite ?

        O que tem faltado ao debate é equilibrio e informação. Muitos tomam partido sem conhecer os meandros da questão e, sobretudo, seus principais personagens. Falta-nos o hábito de debater com mais conhecimento de causa, mais razão e um pouco menos de paixão, principalmente porque esta costuma vir acompanhada de uma boa dose de demagodia,  que sempre causa impacto e ilude as massas. O que nos falta é o exercício da democracia e o aprendizado que isso traz.

        A questão, no final das contas, é muito simples. É preciso haver total liberdade de expressão na hora de escrever? Sim, sem a menor dúvida. Sempre. Mas também é preciso, por outro lado, que haja punição exemplar para aqueles que fizerem um mau uso dessa liberdade. É assim nos países onde há liberdade plena. Essa é a única forma de estabelecer limites de um lado, sem ultrapassar os do outro. Se o caso é mudar a lei, que se mude de forma ampla , abrangente, senão estaremos vestindo um santo e desnudando outro.

                            Tim Rescala, compositor

— 16 / 10 / 2013 —

9 respostas em “BIOGRAFIAS – O ESPANTALHO DE NOSSA LAVOURA

  1. Das Biografias (parte 1)
    (Na inspiração do Blog do compositor Sergio Ricardo, chamado G.R.I.T.A.)

    I

    Eu escolho não berrar meu tropeço
    Há quem escolha expor o seu avesso.
    Escolher o tamanho do som do seu passo
    Cabe ao dono do estardalhaço.

    II

    A vida não é para ser lida em uma catarse infinita
    A liberdade da vida não está na publicidade da ferida
    A liberdade da vida está em poder escolher a sua grita.

  2. Das Biografias (parte 2)

    Biografia é biografia. Quem escolhe mostrar a sua vida é você mesmo. As pessoas estão discutindo sobre fofocas, e não sobre biografias. O que fica da vida de cada um (falando de forma genérica) é o que se diz, não o que se fez. Como bem diz o ditado, faça o que eu digo, não o que eu faço.

    É como no direito, onde é livre pensar, ninguém é preso porque pensou em matar. Imagine você se as pessoas fossem presas porque pensaram em matar, quantos de nós pensou algo errado algum dia, todos. Marx teve um filho fora do casamento, Engels assumiu, a moral daquela época não permitia, o que isto tem de relevante para o todo da obra. Nada, é uma fofoca desqualificadora ante a moral apenas.

    Se não prendemos pelo pensamento, porque condenaremos por fatos restritos à vida privada de cada um?

    Vivemos uma sociedade do espetáculo, e as pessoas querem fofocas escandalosas. Querem saber que tipo de sexo o Roberto Carlos fazia com a Miriam Rios, ou se cheirou cocaína com o Erasmo Carlos e coisas assim… o que isso tem de relevante, nada.

    Seu apoio público à ditadura militar me faz ser antipático a ele, mas este apoio era público. Se ele cheirava pó com o amigo não me importa. O leitor dirá, “e se ele apoiasse a ditadura às escondidas, só saberíamos com uma biografia”… não é verdade, pois haveriam documentos, que poderiam até ser sigilosos, mas que a história, como ciência, um dia trataria de mostrar.

    Misturar a sede por fofoca desta sociedade medíocre culturalmente com liberdade de expressão, e chamar a isto de censura às biografias, é apenas hipocrisia da sociedade do espetáculo.

  3. Das Biografias (parte 3- O Resumo da Ópera)

    No Direito brasileiro ninguém é preso porque pensou em matar alguém. Afinal, pensar está restrito ao íntimo da mente de cada um. Ora, se ninguém é preso por isso, porque poderia ser exposto ao julgamento moral da sociedade por algo que tenha feito no íntimo da sua vida privada? Não me parece razoável.

  4. Sergio Ricardo, meu caro e lucido amigo, fico contente em ver sua posicao diante desse problema. Na verdade, estava esperando por uma posicao sua.
    Desde o inicio dessa discussao, tenho pensado em tudo isso lembrando-me de que o que esta’ em jogo e’ a vida de seres humanos, nao importa quem sejam, mas se se trata de personalidades mundialmente conhecidas, mais delicado e’ o problema.
    Todos temos o direito `a privacidade e nao e’ em nome da Historia ou da Arte que devemos deixar que esse direito nos seja retirado.
    A liberdade tem limite: o respeito pelo semelhante. E’ importantissimo que nao se perca isso de vista.
    Importante tambem que se de nome certo `as coisas. Falar em censura neste caso e’ procurar velar a verdade; e’ jogar com as palavras de forma a comecar denegrindo o carater de quem esta’ exigindo o respeito que lhe e’ devido.
    Espero que o GAP continue a trabalhar a fim de conseguir da justica uma posicao clara com relacao `a confeccao de biografias e aos direitos de biografos e biografados.
    Tomara que essa pendenga sirva para estabelecer parametros que interessem a ambas as partes e ponham fim a discussoes desgastantes que nao levam a nada.
    Finalmente, acabo achando curiosa essa decisao de “responsabilizar judicialmente por ofensas e mentiras” Isso deveria ser o obvio. Tem de ser responsabilizado. Quem age dessa forma nao e’ um biografo nem um critico de arte, e’ um biltre tentando chamar a atencao sobre si, e esse tipo de gente so’ pode ter de responder judicialmente por seus atos inconsequentes.
    E’ isso. Abraco

  5. A discussão das biografias não está na questões das liberdades democráticas, está na questão constitucional das garantias individuais. Assim como o lar é inviolável, o que se faz dentro dele também.

    Não é porque se brigou com o parceiro ou com a parceira, por exemplo, que um deles pode sair contando o que se fazia dentro do lar, isto é inadmissível. Garantir esta inviolabilidade é dar o direito de dizer não a quem quer que seja.

    Não estamos falando de crime, não relatar um crime e prevaricar é uma coisa, dizer não às fofocas da vida privada é outra.

  6. Boa tarde.
    Ilma. Srta. Paula Lavigne,
    Não sou da classe artística e muito menos fã da categoria. Sou cidadão. E tenho pleno dever de exercer a minha cidadania.

    Acredito que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa jamais podem subjugar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. E que qualquer indenização jamais compensará os estragos advindos de CERTAS CRÍTICAS, seja a biografia autorizada ou não. Ou em qualquer outra matéria. São feridas no âmago do Homem que jamais poderão ser mensuradas pela Justiça.

    Creio que a Constituição Federal garante a liberdade de informação jornalística, porém, observando o disposto no inciso X do Art. 5º, que é a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

    Assim, percebe-se que a imprensa não possui o pleno poder, mas advoga para si o Poder Supremo. A imprensa não pode ser censurada; mas precisa respeitar o seu limite (constitucional).

    Portanto, diante do papel fundamental da imprensa e da garantia constitucional de informar vs a garantia à intimidade e vida privada tem se que separar o que é de relevância pública do privado. E, convenhamos, fofocas ou sensacionalismo são interesses meramente econômicos.

    Lembremos que qualquer imagem, áudio ou caractere veiculado gera ganho, vantagem ou benefício. Quem ganha com o lucro proveniente da notícia (“imagem”) das pessoas? E quem perde? O que é público? O que é privado?

    Quanto ao julgamento da ADIN 4815 pelo STF, tecnicamente, a tendência é a revogação dos dispositivos 20 e 21 do Código Civil. Ainda assim, a própria Constituição Federal garante previamente a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

    Levando em consideração algumas decisões “técnicas” do STF… vale a máxima que ‘cabeça de juiz…’ Vide o entendimento (absurdo) da Corte em relação à constituição da família. “Parece” que a Corte está com a Síndrome de Pilatos

    • Apenas uma correção:
      Este comentário é dirigidos ao Ilmo. Sérgio Ricardo, autor do texto observado, e não a srta. Paula Lavigne, que desconheço. Cometi o equívoco após ter lido, numa coluna da Veja, que o projeto G.R.I.T.A seria da responsabilidade da srta. Lavigne e, consequentemente, os textos expostos neste sítio. Peço desculpas.
      Parabéns aos senhor Sérgio Ricardo pelo trabalho.

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